
Entidades e pesquisadores da área da educação afirmam a necessidade de revogação da lei de 2017 que estabeleceu o novo ensino médio e sugerem a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio publicadas em 2012. Na última semana, o Ministério da Educação (MEC) abriu consulta pública para avaliação e reestruturação da política nacional de ensino médio, mas, para os especialistas, antes do diálogo, é urgente a revogação da medida.
Para o professor e pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Daniel Cara, a abertura de diálogo é sempre positiva, mas a consulta do MEC não deixa a agenda completamente aberta para discussão.
A consulta tem prazo de 90 dias para as manifestações, com possibilidade de prorrogação. Ela será implementada por meio de audiências públicas, oficinas de trabalho, seminários e pesquisas nacionais com estudantes, professores e gestores escolares sobre a experiência de implementação do novo ensino médio nos 26 estados e Distrito Federal.
Para a professora e coordenadora do Observatório do Ensino Médio da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Mônica Ribeiro da Silva, a estratégia da consulta pública, pelo prazo apresentado, pode desmobilizar o debate nacional que já está em andamento. Ela sinaliza que não há a disposição do governo para uma mudança mais estrutural, de revogação, mas sim de fazer ajustes naquilo que já existe na reforma do ensino médio.
Procurado pela reportagem, o MEC encaminhou declaração pública do ministro da Educação, Camilo Santana, em que esclarece que a consulta é exatamente para orientar e subsidiar as decisões que serão tomadas.
Segundo o ministro, as decisões precisam ser tomadas brevemente, pois as diretrizes da política servirão de base para a elaboração do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2024.
No entanto, uma pesquisa recente do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e do Serviço Social da Indústria (Sesi) sobre as mudanças que estão sendo realizadas apontam o desconhecimento da população sobre a reforma.

O novo ensino médio
A atual política do ensino médio, Lei 13.415/2017, foi aprovada em 2017 com o objetivo de tornar a etapa mais atrativa, implantar o ensino integral e evitar que os estudantes abandonem os estudos.
Com o modelo, parte das aulas deverá ser comum a todos os estudantes do país, direcionada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Na outra parte da formação, os próprios alunos poderão escolher um itinerário para aprofundar o aprendizado. Entre as opções, está dar ênfase às áreas de linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas ou ao ensino técnico. A oferta de itinerários, entretanto, depende da capacidade das redes de ensino e das escolas.
A implementação ocorre de forma escalonada até 2024. Em 2022, ela começou pelo 1º ano do ensino médio com a ampliação da carga horária para, pelo menos, cinco horas diárias. Pela lei, para que o novo modelo seja possível, as escolas devem ampliar a carga horária para 1,4 mil horas anuais, o que equivale a sete horas diárias. Isso deve ocorrer aos poucos.
Segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), mesmo em meio à pandemia de covid-19, as secretarias estaduais mantiveram o cronograma e todos os estados já estão com os referenciais curriculares do novo ensino médio homologados. Em 2023, a implementação segue com o 1º e 2º anos e os itinerários devem começar a ser implementados na maior parte das escolas. Em 2024, o ciclo termina, com os três anos do ensino médio.
Além das atribuições no Observatório da UFPR, Mônica coordena uma rede de 23 grupos de pesquisa pelo país que acompanha, desde 2017, a regulamentação e implementação do novo ensino médio nas escolas. Segundo ela, o movimento estudantil, as entidades de classe e as sociedades científicas já entregaram ao MEC o resultado desses anos de pesquisa que aponta os problemas da política atual do ensino médio, material que poderia ser utilizado para embasar a revogação e acelerar as mudanças necessárias.
Segundo o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, as entidades de classe querem o retorno do Fórum Nacional da Educação, na composição que existia em 2016, antes de ser alterado pelo governo Michel Temer. O fórum é um espaço de interlocução entre a sociedade civil e o governo, estabelecido pela lei do Plano Nacional da Educação (PNE), de 2014.

Diretrizes adequadas
Para Araújo, uma das alternativas é a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio definidas em 2012 pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) após extenso debate, mas que acabaram paradas com a desorganização política do país a partir de 2013.
O texto traz avanços quanto à concepção do ensino médio como um direito social de cada pessoa e dever do Estado em sua oferta pública e gratuita a todos. A resolução do CNE articulou os eixos do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura para formação integral do estudante, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico.
Disciplinas: brigadeiro e sabonete
A professora Mônica Ribeiro afirma que o novo ensino médio fragiliza a formação dos estudantes e aumenta a evasão e abandono escolar.
Já para a presidenta da Ubes, Jade Beatriz, além da grade curricular ruim, o novo ensino médio desconsidera as diversas realidades estruturais do país e agrava as desigualdades sociais.